ANTT (Agência Nacional dos Transportes Terrestres) negocia um acordo para resolver um impasse com concessionárias que deveriam ter investido cerca de R$ 20 bilhões, em dez anos, na duplicação de rodovias e não o fizeram porque mergulharam em crise financeira.
Pelos contratos vigentes, as operadoras que não investem o que foi combinado são punidas com a redução do pedágio na proporção do aporte não realizado.
Isso ocorre para evitar uma apropriação indébita de recursos dos contribuintes que deveriam ser direcionados para a melhoria das pistas em obras como duplicações, criação de alças de acesso e de nova sinalização.
Com o objetivo de viabilizar uma devolução amigável das estradas ao poder público, para que possam ser leiloadas a novas empresas, a agência propôs dar um desconto menor durante dois anos, prazo previsto para a relicitação.
Em vez de 40% de corte, a ANTT aplicaria 30%. Os 10% recebidos a mais nas praças de pedágio só voltam para a União na hora da relicitação. Serão abatidos do valor que o poder público terá de pagar às empresas pelos investimentos realizados e não amortizados.
Cálculos preliminares indicam que essa indenização ficaria em torno de R$ 6 bilhões, sendo R$ 4 bilhões somente para as concessões realizadas entre 2013 e 2015, durante a gestão Dilma Rousseff (PT).
Os técnicos do governo apostam que em dois anos será possível realizar um novo leilão. Nesse período, as próprias operadoras teriam de continuar à frente do negócio.
Por isso, o desconto menor daria uma folga no caixa para que pudessem garantir o mínimo de manutenção das vias.
Se assumisse essas estradas, o governo teria de desembolsar cerca de R$ 450 milhões por ano, custo para manter uma via como a BR-050 (GO-MG).
O desconto menor seria uma forma de viabilizar a devolução amigável principalmente das concessionárias mais inadimplentes. Com exceção da concessionária MGO, responsável pela BR-050, nenhuma das outras seis concluiu a duplicação das estradas no prazo de cinco anos previstos no contrato.
As pendências das concessionárias foram auditadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
Segundo o relatório, elas se referem a 36 obras de duplicação, construção de contornos rodoviários e de terceiras faixas, sob responsabilidade de 12 empresas que assinaram contratos para gerir estradas entre 2008 e 2009 e entre 2013 e 2015 (nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma, respectivamente).
Ainda de acordo com o TCU, os contratos estabeleceram que os contratados deveriam ter cumprido com as obrigações independentemente de aportes do governo ou de bancos oficiais. As concessionárias, no entanto, sustentam que o governo prometeu, na época dos leilões, apoio com financiamentos, o que não ocorreu.
Para ganhar as licitações dos governos petistas, as empresas ofereceram descontos muito altos nos pedágios e, logo no início da operação, já pediram revisões dos valores.As concessões da gestão Dilma obrigavam as empresas a entregar 10% das obras de duplicação para começarem a receber tarifas.
São elas as das BRs 040 (entre DF, GO e MG), 101 (ES -BA), 153 (TO-GO), 050 (GO-MG), 163 (MT), 163 (MS), 060-153-262 (entre DF, GO e MG).
O tribunal constatou que, em cinco casos, foi feito só o necessário -ou um pouco mais- para a cobrança ser iniciada. Há casos em que as empresas se fiavam em empréstimos do BNDES e de outros bancos oficiais, mas eles não saíram.
Outro problema é que a situação de caixa das empresas se agravou a partir de 2014. A recessão diminuiu a quantidade de veículos nas pistas e, em consequência, a arrecadação.Além disso, com a descoberta de esquemas de corrupção pela Lava Jato, as companhias do setor mergulharam em aguda crise financeira.
É o que ocorreu com a Odebrecht. A companhia tenta negociar sua participação na BR-163, que passa por 19 municípios do Centro-Oeste e funciona como principal rota para a exportação da safra de soja para o porto de Santos (SP). Mas investidores não têm se interessado em comprar um contrato inadimplente.
As participações das demais concessões implicadas na Lava Jato eram consideradas tóxicas por embutir um risco jurídico elevado. Os investidores temiam, por exemplo, ter de arcar com alguma dívida inesperada por possíveis novas irregularidades.
Segundo o TCU, a inércia da ANTT também contribuiu para que os investimentos não saíssem. Cabe ao órgão punir as companhias por descumprimento de contratos, o que não teria ocorrido a contento.
Somente em agosto de 2017, a ANTT declarou a caducidade da BR-153, entre Tocantins e Goiás, cuja concessão era controlada pela Galvão Engenharia.A caducidade é um processo que extingue o contrato por descumprimento generalizado de obrigações depois de falharem todas as tentativas de reequilíbrio e de enquadramento da concessionária.
Acertar um acordo com as empresas não é simples. Hoje, seis dentre todas as concessionárias operam com decisões judiciais que impedem a agência de aplicar multas, descontos e outras penalidades.
A ViaBahia conseguiu proteção judicial até contra a decretação de caducidade.A agência pretende incluir todas as inadimplentes na negociação, o que resolveria o problema do estoque de quase R$ 20 bilhões em investimentos não realizados.
Essa negociação é possível porque, em agosto, o presidente Jair Bolsonaro baixou decreto permitindo a devolução amigável de concessões.
Uma lei de junho de 2017 instituiu a relicitação. No entanto, faltava a regulamentação desse processo, o que só ocorreu recentemente