A companhia Uber, que opera o aplicativo mundial de transportes, registrou quase 6 mil denúncias de abuso sexual apenas nos Estados Unidos em 2017 e 2018. No mesmo período, 19 pessoas foram mortas e 107 perderam a vida em acidentes de trânsito durante viagens da empresa.
As informações foram divulgadas pela própria empresa em um relatório no qual afirma que a transparência faz parte de seu compromisso para “aumentar a segurança do Uber e da indústria como um todo”.
O número absoluto de denúncias registradas de abuso sexual cresceu no ano passado em relação a 2017 (de 2.936 para 3.045), mas a proporção em relação ao total de viagens caiu 16% no mesmo período.
Segundo o Uber, a redução não pode ser vista como uma tendência de queda, e a divulgação do relatório pode, inclusive, levar a um aumento de registros no futuro.
A empresa, que enfrenta um crescente escrutínio ao redor do mundo e recentemente perdeu sua licença para operar em Londres por causa de frequentes falhas de segurança, realizou mais de 45 viagens por segundo nos Estados Unidos.
Motoristas são 54% dos acusados
O relatório aponta 5.981 casos em meio a 2,3 bilhões de viagens ao longo dos dois anos. Pela legislação brasileira, todos eles seriam enquadrados como crimes de estupro.
O Uber está no centro do debate sobre a economia colaborativa, também chamada de ‘economia do bico’Do total de notificações, os passageiros representavam 45% dos acusados e os motoristas, 54%. Nos registros mais graves, envolvendo penetração sexual sem consentimento, 99,4% das vítimas eram passageiros.
Segundo a empresa, a notificação de um caso de abuso sexual não é necessariamente feita pela vítima.
“Toda forma de transporte é impactada por esses problemas. Por exemplo, o Departamento de Polícia de Nova York registrou 1.125 acusações de abuso sexual no sistema de transporte durante o mesmo período coberto nesse relatório”, escreveu a empresa.
A segurança dos passageiros, envolvendo particularmente violência sexual, tem sido um grande desafio para o Uber e outras empresas do setor, como a americana Lyft e a chinesa Didi, que adquiriu recentemente a 99 no Brasil.
“Não é fácil publicar voluntariamente um relatório que discute essas difíceis questões de segurança”, afirmou Tony West, chefe do departamento jurídico do Uber.
“A maioria das empresas não fala sobre questões ligadas à violência sexual porque arrisca atrair manchetes negativas na mídia e críticas públicas. Mas sentimos que é o momento para uma nova abordagem.”
Questionado pela BBC, o Uber afirmou não haver planos para divulgar dados relativos a outros países em que a empresa opera.
Mortes e acidentes fatais
Segundo o relatório da empresa, 19 pessoas foram mortas em casos envolvendo pelo menos uma pessoa ligada a uma viagem de Uber. Oito delas eram passageiros e 7 eram motoristas.
“Isso significa que a parte acusada (da morte) não era necessariamente a parte que usava a plataforma do Uber. Na verdade, em muitos incidentes fatais registrados no Uber, os acusados eram terceiros”, diz o documento.
A proporção dessas mortes é de 0.000001% do total de viagens realizadas pela empresa.
O Uber registrou também 107 mortes em 97 acidentes ligados ao uso do aplicativo. A cada 10 vítimas, 2 eram motoristas e 2, passageiros.
Um terço dos acidentes fatais envolveu pedestres.
A taxa de 0.57 fatalidade por 100 milhões de viagens em 2018 representa metade da taxa de mortes de trânsito nos Estados Unidos naquele período.
Este é um relatório extremamente significativo que, pela primeira vez, detalha até que ponto a chamada “economia colaborativa” coloca as pessoas em perigo.
O Uber descreve a reunião de dados como um projeto complexo que durou dois anos, com grande parte do tempo gasto na auditoria dos dados para garantir precisão.
Registre-se que, sabendo que provocaria manchetes negativas, a empresa optou por liberar esses dados voluntariamente.
Agora que o Uber provou que pode produzir esses dados de forma digerível, deve continuar fazendo isso em intervalos regulares e, eventualmente, para todos os seus mercados ao redor do mundo.
Não é uma tarefa fácil, mas a empresa pode arcar com isso.
Uma publicação contínua do relatório traria foco e urgência: o histórico de segurança da Uber está melhorando ou piorando? Por que poderia ser isso? Algumas regiões são mais seguras que outras? O que podemos aprender?
A atenção também deve se voltar para as outras empresas desse setor. A Lyft — que está enfrentando uma ação por agressão sexual iniciada nesta semana — não tem desculpas agora que seu maior rival agiu.