Professor de Física da Ufal participou do trabalho que projeta milhões de mortes no Brasil se medidas urgentes não forem tomadas
Esta semana pode ser a última chance! As medidas mais rigorosas para o distanciamento social precisam ser tomadas agora. É o que aponta o modelo matemático criado por um grupo de pesquisadores que contou com a participação do professor Askery Canabarro, do curso de Física da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) em Arapiraca.
O modelo para calcular a propagação da covid-19 no Brasil dividiu a população em nove faixas etárias e considerou os dados epidemiológicos já consolidados nas nações com grandes volumes de casos, como a China e a Itália. De acordo com Askery, o cálculo utilizou quatro variáveis: pessoas susceptíveis à doença (S); as que são infectadas (I); as que morrem (D) e aquelas que se recuperam e se tornam imunes (R). Mas para analisar a ameaça ao sistema de saúde, o modelo conta com uma 5ª variável, que é incluir o número de leitos necessários em função do tempo.
“O principal elemento do modelo é justamente a modelagem da necessidade de leitos de UTI ao longo dos dias, de modo que é possível analisar uma falência do sistema de saúde caso o Brasil adote medidas que resultem em um baixo nível de isolamento”, explicou.
De acordo com o modelo, o pico de casos simultâneos ocorrerá por volta do dia 15 de maio, portanto, o percentual de taxa de isolamento que os físicos e médicos apontam como ideal a partir desta semana é de 75%.
“A gente precisa chegar a algo em torno dos 75% de isolamento para proteger o nosso sistema de saúde, evitando o colapso do sistema com certa folga e ter um número menor de mortes,”, alerta Canabarro.
Longe da meta
A referência mundial para controle da epidemia seria de 70% de pessoas em distanciamento social e 30% expostas com a manutenção dos serviços essenciais, mas o Brasil está longe de alcançar esses números. Por isso, a urgência na conscientização e nas medidas de prevenção para atingir os 75% apontados pelo trabalho é o que vai definir se o Brasil terá números catastróficos de mortes por coronavírus, principalmente nas regiões onde o sistema de saúde é mais vulnerável.
“O cenário com centenas de milhares de mortes no país foi modelado com a suposição de 50% de isolamento social, o que parece ser ainda o caso que ocorre no Brasil, conforme, por exemplo, a ferramenta de mobilidade urbana do Google”, explica o físico sobre a ferramenta utilizada pelo grupo.
O Google Community Mobility cria relatórios mostrando como está a movimentação das pessoas em determinadas regiões como lojas, supermercados e centros urbanos. Tomando por base o nível de isolamento social do país, o modelo matemático epidemiológico traçou alguns cenários. Um deles é se nada tivesse sido feito, desde o dia 21 de março, uma curva vermelha mostra que o Brasil já teria mais de 50 milhões de pessoas infectadas.
O professor Askery alerta sobre um segundo cenário: Se desde o final de semana, dia 11 de abril, as pessoas começarem a sair de casa, vai formar a curva preta da imagem a seguir, ultrapassando os 30 milhões de infectados no país.
“A gente sai hoje de milhares de infectados para dezenas de milhões. Se a quarentena começasse intensa, rapidamente essa curva muda de tendência e protegeria com folga o sistema de saúde. Se relaxar as medidas de segurança, até o dia 21 de abril terá passado o número de quatro mil mortes no Brasil, fazendo com que a curva suba ainda mais rápido”, alerta, explicando que o terceiro cenário depende de como a população vai se comportar a partir de agora.
O trabalho já foi submetido para publicação em periódico internacional com árbitro e o manuscrito está disponível aqui.
Desafios são tempo e regiões
O modelo foi elaborado e calibrado com os dados disponíveis no dia 2 de abril, mas como o número de mortes se manteve constante, Askery ressalta que é possível que o sistema de saúde já tenha sido colocado em perigo.
“Nós encontramos uma janela de mais alguns dias, idealmente essa semana, que, em se fazendo uma quarentena intensa e rigorosa, o modelo indica que rapidamente o sistema é aliviado nas duas semanas seguintes, em média”, disse.
De acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Saúde, o país registrou 1.376 mortes por covid-19 até a manhã desta terça-feira (14). Mas a curva de vítimas tem se apresentado de maneira diferente em cada Estado. Alagoas, por exemplo, é um dos que tem menos mortes, com o total de quatro acumuladas. A taxa média de isolamento no Estado é de 56,3%.
“Cada Estado tem sua própria dinâmica populacional, o que implica em um número médio de novas infecções causadas por um único indivíduo distinto. Quanto maior o isolamento, menor esse número médio e mais rápida a doença é controlada. Caso se obtenha os dados demográficos de determinado Estado, uma modelagem específica pode ser feita”, explica Canabarro sobre a aplicação do modelo criado para outros países, regiões ou subrregiões.
Clique aqui para assistir ao vídeo do professor Askery Canabarro, com a explicação de todos os dados utilizados para construir o modelo.
Trabalho em equipe
O modelo foi feito por meio de colaboração remota, concebido por três físicos do Instituto Internacional de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e ajustado à realidade com a contribuição dos médicos que atuam em hospitais consolidados e centros de combate a doenças infecciosas. O trabalho envolveu físicos da Ufal e da UFRN (Askery Canabarro, Samuraí Brito e Rafael Chaves), médicos da Santa Casa de Misericórdia de Maceió (Elayne Tenório), do Centro de Teste e Aconselhamento de HIV/Aids da Bahia (Renato Martins) e da Escola Superior de Ciências da Saúde do DF (Laís Martins).
O professor Askery Canabarro, da Ufal em Arapiraca, que está atualmente desenvolvendo colaboração científica na UFRN, ressalta a importância do trabalho interdisciplinar para buscar respostas sobre a pandemia causada pela covid-19.
“A ciência, que é uma das grandes construções colaborativas do homem, aponta o caminho correto a ser seguido no momento. As ciências exatas, portanto, fazem coro com as ciências da saúde quanto à necessidade do isolamento social intenso na ausência de uma vacina, em prol da proteção do nosso sistema de saúde e a minimização do número de mortes” enfatiza.
Ele evidencia, ainda, a necessidade de investimentos em pesquisas científicas nas universidades brasileiras, ao tempo em que agradece os financiamentos obtidos para desenvolver os trabalhos. “Somos gratos às agências de fomento e aos ministérios que nos financiam [MEC, MCTIC, CNPq, Instituto Serrapilheira e John Templeton Foundation]. No caso específico da Ufal e do estado de Alagoas, sou grato à Fapeal e ao esforço dos professores de Física do Campus Arapiraca pela oportunidade produzida com minha liberação, bem como aos demais órgãos da gestão da Ufal”, finalizou.
Mais um estudo
Outro estudo realizado por professores da Ufal, dos Institutos de Matemática (IM), Física (IF) e da Computação (IC), apresentou estimativas numéricas e simulações computacionais para o surto de Covid-19 no estado de Alagoas. O trabalho conjunto, divulgado no dia 10 de abril, foi baseado no relatório “The Global Impact of COVID-19 and Strategies for Mitigation and Suppression”, da Equipe de Resposta do Covid-19 da Universidade Imperial, no Reino Unido, datado de 26 de março de 2020.
Uma das estimativas que chama atenção no texto dos alagoanos é a relação entre o isolamento e o número de leitos disponíveis no estado. Para o professor Sérgio Lira, do IF, o isolamento ainda é extremamente necessário para evitar o colapso da saúde. “Caso nós saíssemos no dia 10 de abril, que foi quando fizemos o cálculo, e permitíssemos a circulação irrestrita em todo estado, isso levaria, em 36 dias, a uma necessidade de pelo menos 5 mil leitos hospitalares. Um número muito grande que sobrecarregaria o sistema de saúde público e privado em Alagoas. Mas caso mantivéssemos as medidas de mitigação, como as que vivemos hoje, esse número cairia para cerca de 150 leitos de hospital e 50 leitos de UTI”, destaca o professor mencionando um resultado apontado pelo relatório.
Com informações da Ascom Ufal