Desde o dia 1º de junho, o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, está inquieto. Naquela data, agentes da Polícia Federal realizaram uma operação de busca e apreensão nos endereços do principal auxiliar do deputado, Luciano Cavalcante, e do motorista do auxiliar, Wanderson Ribeiro Josino de Jesus. A Operação Hefesto, assim batizada em referência ao deus grego da tecnologia e da metalurgia, investiga fraude em licitação e desvio de 8 milhões de reais na compra de kits de robótica pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O caso levou o deputado Arthur Lira a dizer que “cada um é responsável pelo seu CPF nesta terra e neste país”, tentando afastar as suspeitas de que o dinheiro desviado poderia acabar no seu bolso.
Agora, a piauí teve acesso a relatórios da PF sobre a busca e apreensão – e a situação de Arthur Lira tende a se complicar. No endereço do motorista Wanderson de Jesus, os agentes apreenderam um caderno-caixa, mostrando saldos, repasses, destinatários e datas. As anotações manuscritas, que estavam dentro de um Corolla, referem-se aos meses de abril e maio deste ano. O nome “Arthur”, que os investigadores suspeitam referir-se ao deputado Arthur Lira, aparece onze vezes e vem acompanhado dos maiores valores, que totalizam pouco mais de 265 mil reais.
Nas anotações do mês de abril, consta que “Arthur” recebeu 20 mil reais no dia 8. Uma semana depois, foram mais 30 mil reais. No dia 17 de abril, houve um gasto de 3 652,00 reais para “Hotel Emiliano = Arthur”. Coincidência ou não, quando vai a São Paulo, o deputado costuma se hospedar no Hotel Emiliano, nos Jardins. Além disso, os registros da Aeronáutica mostram que no exato dia 17 Arthur Lira embarcou num avião da FAB em Brasília com destino a São Paulo.
O dia 28 de abril registra o maior volume de recursos, com quatro repasses no total:
* 6 026,87 reais para “carro Arthur”.
A reportagem foi atualizada com novas informações às 16h28 de 25 de junho de 2023.
Desde o dia 1º de junho, o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara, está inquieto. Naquela data, agentes da Polícia Federal realizaram uma operação de busca e apreensão nos endereços do principal auxiliar do deputado, Luciano Cavalcante, e do motorista do auxiliar, Wanderson Ribeiro Josino de Jesus. A Operação Hefesto, assim batizada em referência ao deus grego da tecnologia e da metalurgia, investiga fraude em licitação e desvio de 8 milhões de reais na compra de kits de robótica pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O caso levou o deputado Arthur Lira a dizer que “cada um é responsável pelo seu CPF nesta terra e neste país”, tentando afastar as suspeitas de que o dinheiro desviado poderia acabar no seu bolso.
Agora, a piauí teve acesso a relatórios da PF sobre a busca e apreensão – e a situação de Arthur Lira tende a se complicar. No endereço do motorista Wanderson de Jesus, os agentes apreenderam um caderno-caixa, mostrando saldos, repasses, destinatários e datas. As anotações manuscritas, que estavam dentro de um Corolla, referem-se aos meses de abril e maio deste ano. O nome “Arthur”, que os investigadores suspeitam referir-se ao deputado Arthur Lira, aparece onze vezes e vem acompanhado dos maiores valores, que totalizam pouco mais de 265 mil reais.
O dia 28 de abril registra o maior volume de recursos, com quatro repasses no total:
* 6 026,87 reais para “carro Arthur”.
* 844,47 para “Pix almoço […] Arthur”
* 29 200 reais em favor de “Djair = Arthur”
* 100 mil reais para “Arthur”.
O relatório da PF não informa quem é “Djair”, o beneficiário de 29 200 reais, mas há mais uma coincidência: o deputado Arthur Lira emprega em seu gabinete um secretário parlamentar cujo nome é Djair Marcelino. O secretário parlamentar foi denunciado como integrante de um milionário esquema de rachadinha, que, segundo o Ministério Público Federal, Lira comandou na Assembleia Legislativa de Alagoas na época em que era deputado estadual.
As anotações ainda registram dois pagamentos adicionais. Um deles, realizado no dia 10 de abril, no valor de 12 509,71 reais, foi em favor do “Hotel Emiliano”, mas não há menção ao nome de “Arthur”. Em outra coincidência, os registros da Aeronáutica mostram que o deputado viajou para São Paulo no dia 4 de abril, voando em avião da FAB de Maceió para São Paulo, de onde voou para Brasília no dia 9 de abril. E, neste período, passou por uma cirurgia que demandou repouso na capital paulista. Outro pagamento, feito no dia 29 de abril, no valor de 4,8 mil reais, em favor de “telefone – D. Ivonete”. Não há detalhes, mas os agentes da Polícia Federal desconfiam que seja uma menção à mãe de Arthur Lira. Ela se chama “Ivanete”, com “a” em vez de “o”.
No dia 8 de abril, aparecem ainda dois registros – um de 1 mil reais, outro de 4 mil reais – em favor de “Álvaro”. Em 26 de abril, “Álvaro” recebeu mais 700 reais. A Polícia Federal também não identifica no relatório o beneficiário, mas, em nova coincidência, um dos filhos de Arthur Lira chama-se Álvaro.
As anotações de maio registram gastos mais modestos. Mostra que no dia 2 houve um repasse de 8 170 reais para “pagamento Fabio engenheiro/Arthur”. No dia seguinte, foram 23 850 reais para “materiais elétricos fazenda = Arthur”. Em 5 de maio, houve dois pagamentos. Um de 24 884 reais, em favor de “Fabio engenheiro Arthur” e mais 8,5 mil reais para “pagamento irrigação = Arthur”. Arthur Lira tem fazendas em Alagoas.
No endereço de Wanderson de Jesus, além do caderno-caixa, os agentes da PF encontraram papéis relacionados ao caso dos kits de robótica, apreenderam pouco mais de 150 mil reais em espécie e, também, um manuscrito no qual os signatários declaram ter recebido do deputado Arthur Lira “a importância de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) referente à nova área de 11,5 tarefas [uma medida agrária] do Sr. Manoel Pacheco Filho e Joana Martins Pacheco, pelo qual dou plena e total quitação”. Não há data no recibo.
À Polícia Federal, o motorista Wanderson de Jesus disse que as anotações se referem a pagamentos que ele próprio realizou a mando de Luciano Cavalcante, que, segundo ele, também é o dono do Corolla, onde os documentos foram encontrados. O relatório afirma: “A grande quantia de dinheiro em espécie apreendida com Wanderson, totalizando R$ 150.200,00 (cento e cinquenta mil e duzentos reais), somada às diversas anotações de pagamentos, que ao que tudo indica eram também feitas em espécie […], configura[m] o tipo previsto no artigo 1º, inciso ii, da Lei nº 9613/98.” Uma parte desse total, 110 mil reais, foi encontrada em uma mochila dentro do porta-malas. O motorista relatou que pertencia a Cavalcante. (Em diligências anteriores, a PF identificou que Wanderson de Jesus recebeu dinheiro em mãos do empresário Pedro Magno Salomão, apontado como operador financeiro do esquema.) O relatório da apreensão prossegue: “As diversas atividades desempenhadas por Wanderson a mando de Luciano, além da aparente disposição por parte deste último de [ter] bem registrado em nome da esposa de Wanderson, denotam a existência de uma divisão clara de tarefas com a finalidade da prática de lavagem de dinheiro”
No endereço do próprio Luciano Cavalcante, segundo o relatório, os agentes apreenderam “duas agendas contendo manuscritos que podem ser relevantes para a investigação” e “documentos diversos relacionados à pessoa de Arthur César Pereira de Lira (encontrados na gaveta)”. Entre os principais documentos, estão:
“Papéis manuscritos contendo relação de valores.”
“Correspondência da Santa Casa destinada a Arthur Cesar Pereira de Lira”
“Documento intitulado Passagens Família Arthur.”
“Listas e contratos encontrados na mala de viagem em poder de Luciano Ferreira Cavalcante.”
“Duas agendas contendo manuscritos que podem ser relevantes para a investigação.”
A piauí procurou o deputado Arthur Lira para falar sobre o conteúdo do relatório da PF. Em mensagem de WhatsApp, a revista perguntou se o ex-auxiliar e o motorista haviam feito pagamentos pessoais em seu favor entre abril e maio, se suas despesas no Hotel Emiliano haviam sido bancadas por terceiros, se alguma de suas fazendas havia adquirido material elétrico e realizado despesas com irrigação e, por fim, se o deputado havia desembolsado 40 mil reais por um pedaço de terra. Em caso de resposta afirmativa para alguma das perguntas, a piauí pedia ao deputado se poderia identificar a fonte do dinheiro. Lira recebeu as perguntas no sábado à tarde, mas, no final da manhã de domingo, informou que não iria se manifestar.
No fim da tarde de domingo, porém, o deputado resolveu falar. Sua assessoria de imprensa mandou a seguinte nota à piauí: “Toda a movimentação financeira e pagamentos de despesas do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, seja realizada por ele e, às vezes, por sua assessoria, tem origem nos seus ganhos como agropecuarista e da remuneração como deputado federal”.
A piauí também procurou o advogado André Callegari, que representa Luciano Cavalcante e Wanderson de Jesus, para saber se eles fizeram pagamentos pessoais em favor do deputado Arthur Lira e familiares. “Vamos aguardar a investigação para qualquer manifestação”, respondeu o advogado. “Após o relatório do delegado e da análise dos autos, podemos nos manifestar.”
deputado Arthur Lira não é investigado na Operação Hefesto, mas a documentação apreendida pelos agentes reforça sua conexão com Luciano Cavalcante. A PF investiga a suspeita de que Cavalcante e sua mulher, Glaucia Cavalcante, sejam “prováveis beneficiários finais do fluxo de dinheiro originado na empresa Megalic”. O papel da Megalic no esquema dos kits de robótica era de intermediação. Segundo mostrou uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a empresa comprava os kits por 2,7 mil reais e, por meio de licitações fraudulentas, revendia o produto por 14 mil reais às prefeituras de Alagoas. O dinheiro usado pelas prefeituras para pagar à Megalic pelos kits superfaturados vinha do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
Braço direito de Arthur Lira, Luciano Cavalcante, que foi candidato a prefeito na cidade alagoana de Atalaia, até representava o presidente da Câmara dos Deputados em reuniões nas quais ele não podia comparecer. Chegou a ser escolhido por Lira para comandar o diretório estadual do União Brasil em Alagoas, mantendo, ao mesmo tempo, o cargo de assessor da liderança do PP na Câmara dos Deputados, que ocupava desde a passagem de Lira por esse posto. Quando a investigação da PF veio a público, no início de junho, Cavalcante foi demitido da liderança do PP.
Em Brasília, Cavalcante é conhecido como “pastinha” de Lira. Um ex-auxiliar que conhece bem a relação entre ambos, mas pede para não ser identificado para evitar se envolver publicamente no assunto, afirma: “Luciano viaja com Arthur em voos da FAB de Maceió pra Brasília e vice-versa. Frequenta a casa. Paga contas, escola, faz supermercado para a casa dele de praia, faz a compra do churrasco.”
Até poucas semanas atrás, Cavalcante era um auxiliar completo, mas sempre teve um ponto fraco: o gosto por esbanjar. Usa relógios Rolex. Mora em um dos condomínios mais caros da Região Metropolitana de Maceió, o Laguna, onde o técnico Felipão e a craque Marta também têm casas. Um relatório da PF, datado de 13 de fevereiro passado, faz menção aos gastos do casal ao dizer que Cavalcante e sua mulher são suspeitos de usar os recursos desviados “por meio da utilização do veículo Hilux e da magnífica casa construída no luxuoso Condomínio Laguna”. A ostentação de Cavalcante já foi tema de comentários na política alagoana. Benedito Lira, pai do deputado Arthur Lira e hoje prefeito de Barra de São Miguel, uma vez chegou a alertar que Cavalcante precisava ser mais discreto.
Embora autorizada pela Justiça Federal de primeira instância em Alagoas, a investigação sobre o desvio de dinheiro no caso dos kits de robóticas subirá para o Supremo Tribunal Federal, em Brasília. O procurador-geral da República, Augusto Aras, que já anulou duas denúncias contra Arthur Lira em análises anteriores, tomou o caso para si. O relator é o ministro Luís Roberto Barroso, considerado linha-dura com casos de corrupção. Aliados de Arthur Lira torcem para que o ministro redistribua a relatoria para outro colega, uma vez que assumirá a presidência do stf em outubro, com a aposentadoria de Rosa Weber. (Breno Pires – revista Piauí)