Em uma entrevista à Agência Brasil, Bernardo Mata Machado, irmão de Zé Carlos, relembrou os momentos dolorosos vividos pela família. Ele descreveu a época como o “período mais terrível”, referindo-se ao governo de Emílio Garrastazu Médici. Bernardo retratou seu irmão como um homem corajoso, cujos princípios básicos eram a liberdade e a igualdade.
Zé Carlos era militante da Ação Popular Marxista-Leninista (APML) e já havia sido preso durante o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, em 1968. Passou oito meses nas celas do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de Belo Horizonte. O jovem chegou a ocupar a vice-presidência da UNE, após ser presidente do Centro Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde ingressou como o primeiro colocado no vestibular de 1964.
Após ser torturado e morto em 28 de outubro de 1973 no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi) em Recife, o corpo de Zé Carlos foi exumado e levado a Belo Horizonte. O esforço da família e da advogada Mércia Albuquerque Ferreira foi fundamental para que isso acontecesse. Mércia registrou em diário os detalhes da exumação que acompanhou na época.
A advogada relatou que, na época, seu pai, Edgar Godoy da Mata Machado, um deputado federal cassado na ditadura e senador na década de 1990, denunciou internacionalmente a morte de Zé Carlos aos jornais Washington Post, New York Times, e o senador Edward Kennedy denunciou as torturas no Brasil na tribuna do Senado dos Estados Unidos. O corpo chegou a ser enterrado em Recife, mas os militares não tiveram como não entregá-lo à família após a pressão internacional.
Bernardo recordou o dia do enterro em Belo Horizonte, onde pouquíssimas pessoas compareceram por medo do regime. Ele descreveu o corpo de Zé Carlos como escalpelado, um verdadeiro patê, afirmando que os militares tentaram esconder a identidade do corpo. Segundo ele, o corpo foi entregue em um caixão lacrado, com proibição de ser aberto pelos militares.
A morte de Zé Carlos só foi conhecida pela família após uma nota oficial transmitida na televisão. A versão oficial divulgada pelos jornais da época, controlados pelo regime militar, alegava que a morte seria resultado de um tiroteio entre colegas de militância. No entanto, Bernardo revelou que há depoimentos de presos políticos que testemunharam as últimas palavras de Zé Carlos antes de morrer, afirmando sua identidade e pedindo para que avisassem seus companheiros que ele não havia falado nada.
Mesmo após o fim do regime militar, o Brasil ainda enfrenta ameaças à democracia. De acordo com especialistas ouvidos pela Agência Brasil, essas tentativas de golpe não são mais realizadas pela força bruta, com tanques nas ruas, mas sim pela manipulação de instituições, como a Justiça. É essencial defender a democracia como forma de garantir a cidadania plena e a participação política de todos os cidadãos.
A história do militante Zé Carlos foi registrada em um livro do jornalista Samarone Lima, que serviu de base para o filme “Zé”, dirigido por Rafael Conde. O longa-metragem narra os últimos anos da vida de Zé Carlos e será exibido em Belo Horizonte neste sábado, como parte da Semana Zé que foi organizada para lembrar os 50 anos da morte do militante.