A Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma instituição judicial autônoma da Organização dos Estados Americanos (OEA) responsável por aplicar e interpretar a Convenção Americana, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. O Brasil é um dos 20 países que reconhecem a competência da CIDH.
O desaparecimento dos 11 moradores de Acari ocorreu em 26 de julho de 1990, quando um grupo de aproximadamente seis homens encapuzados invadiu a casa da avó de uma das vítimas e os sequestrou enquanto estavam em um sítio em Magé, município da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Os homens alegaram ser agentes da polícia e exigiram dinheiro, indicando ser membros dos “Cavalos Corredores”, um grupo de extermínio composto por policiais atuantes na Favela de Acari. Desde então, o paradeiro dos jovens permanece desconhecido.
A sentença da CIDH destacou que os jovens desaparecidos eram negros, sendo oito deles adolescentes com idades entre 13 e 18 anos. Até hoje, a maioria das famílias não obteve o direito à emissão das certidões de óbito das vítimas.
A decisão da corte internacional ressalta que um processo judicial no Brasil foi arquivado em 2011 por falta de “suporte probatório mínimo”. Além disso, a ação de reparação de danos materiais e morais movida por alguns familiares contra o Estado do Rio de Janeiro prescreveu.
Edmea da Silva Euzébio, mãe de um dos desaparecidos e líder das Mães de Acari, foi assassinada em 1993, logo após denunciar à Justiça a participação de policiais nos desaparecimentos, juntamente com uma sobrinha que a acompanhava.
As Mães de Acari, movimento que ganhou notoriedade por exigir avanço nas investigações e responsabilização pelo crime, continuam sua luta até os dias atuais. Em abril deste ano, os policiais acusados pelo crime foram absolvidos por falta de provas.
Os juízes da CIDH consideraram o Estado brasileiro responsável pela violação dos direitos ao reconhecimento à personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal. A corte enfatizou que o Estado não realizou uma investigação séria, objetiva e efetiva para determinar a verdade sobre o caso.
A CIDH determinou que o Estado brasileiro adote medidas como continuar a investigação do desaparecimento, realizar uma busca rigorosa do paradeiro dos jovens, realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional, criar um espaço de memória em Acari, proporcionar atendimento médico e psicológico adequado às famílias, reparação financeira às vítimas e elaborar um estudo sobre a atuação de milícias e grupos de extermínio no Rio de Janeiro.
A sentença da CIDH foi recebida com sentimentos mistos pelas famílias das vítimas. Para alguns, como Rosangela da Silva e Aline Leite de Souza, parentes de vítimas, a decisão representa um renascimento e uma oportunidade de justiça para aqueles que sofreram por décadas sem respostas.
A coordenadora-geral da ONG Criola, Lúcia Xavier, destacou a importância da decisão da CIDH como uma correção dos rumos da política do Estado contra violências desse tipo. O advogado Guilherme Pimentel, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, classificou a sentença como um marco na luta pelos direitos humanos no Brasil.
Em resposta à sentença histórica da CIDH, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania afirmou seu compromisso em implementar integralmente a decisão e destacou a importância do Brasil respeitar os direitos humanos em sua totalidade.
A Secretaria estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro informou que está acompanhando o caso desde o início, oferecendo suporte às famílias das vítimas e adotando medidas para cumprir as determinações da CIDH.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro, responsável pelas investigações, ainda não se pronunciou sobre a sentença da CIDH. A decisão, que representa um avanço na busca por justiça e reparação para as famílias das vítimas, ressalta a importância de combater violações de direitos humanos e fortalecer as políticas de segurança e cuidado no Brasil.