Eis que no meio da pandemia, em tamanha polêmica do abre e fecha de estabelecimentos comerciais, bem como do descaso dos governantes que pouco ou em nada se preocupam, nem com saúde, nem como economia, fui surpreendido por uma pergunta interessante: quem não tem emprego, pode fazer greve?
A reivindicação agendada nesse primeiro de julho pelos entregadores de aplicativo, simbolicamente, é uma espécie de primeiro de maio para grande parte dos trabalhadores brasileiros, que fogem do desemprego estrutural de uma economia em séria crise, sem perspectiva de melhora, e se superam de todas as maneiras para garantir alguma forma de sustento.
Aqui em Maceió, milhares de trabalhadores estão jogados na marginalidade das condições de trabalho. Estão excluídos de todas as garantias laborais e previdenciárias imagináveis. Sem direito a nada, ficam à disposição de empregadores virtuais, que lhes gerenciam durante 24 horas pelos aplicativos, e lhes remuneram por alguns poucos Reais.
E o poder público? Onde está? Nada faz. Nada regulamenta. E lava as mãos para esse absurdo. Não estamos falando apenas de questões ligadas a remuneração precária e jornadas de trabalho sem descanso. A super exploração também se impõe nas condições de saúde e segurança a que se submetem essas pessoas: por acaso algum desses jovens que sai do Benedito Bentes pedalando para entregar lanches na Ponta Verde tem qualquer garantia em caso de acidentes? Ou banheiros para suas necessidades fisiológicas? Por acaso, em tempos de pandemia, recebem alguma orientação, máscara ou álcool gel para a prevenção do COVID-19?
Ao invés de direitos, os aplicativos só impõem deveres aos entregadores. Estabelecem bloqueios e desligamentos das plataformas, perseguem participantes de protestos, determinam pontuações injustas que restringem o acesso a determinadas áreas. Tais medidas claramente configuram direção e hierarquia de comando típicas das relações de emprego.
Os tempos de pandemia nos mostraram, de uma forma muito cruel, que o futuro do trabalho não é tão futuro assim. O teletrabalho e o distanciamento da prestação de serviços já é uma nova realidade apenas para parte de nossa mão de obra. Outra parte fica relegada a uma nova forma de exclusão: o trabalho sem direitos e sem vínculo que muitos de uma forma profundamente equivocada tentam chamar de empreendedorismo.
A greve do dia primeiro de julho, promovida por esse grupo de trabalhadores, que são excluídos do direito, nos mostra que a regulamentação dessas atividades é para ontem. Ou essa é a única política de trabalho que temos a oferecer? Parece que a política é justamente não ter uma política de proteção.
Para a pergunta que me fizeram, não há dúvida. Desde que a escravidão em nosso País foi abolida, as pessoas têm o inequívoco direito de se negar a trabalhar como forma de reivindicar melhores condições de trabalho e de vida. Não seria diferente para esses super explorados entregadores de aplicativo.
* Israel Lessa – Ex-superintendente Regional do Trabalho em Alagoas